Enquanto muitos países ainda sofriam com os impactos do novo coronavírus, a China – onde a pandemia teve início – já começava a dar sinais de recuperação em meados de abril. Seja por medidas rigorosas de isolamento implantadas pelo governo, pelo próprio comportamento do vírus ou por questões culturais da população, os chineses definitivamente souberam vencer a batalha. Em pouco tempo, o país saiu de uma retração econômica histórica de 6,8%, relativa ao primeiro trimestre do ano, e anunciou um crescimento de 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB) nos três meses seguintes.
A rapidez na retomada da vida normal no Oriente levantou suspeitas e deu margem para teorias conspiratórias. Em maio, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a acusar a China de ser responsável “pelo sofrimento no mundo”, ao mesmo tempo em que anunciou o rompimento das relações com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e, mais recentemente, com a própria China. Por outro lado, pessoas sem tempo para acusações infundadas começaram a identificar um novo padrão no cenário pós-pandemia. Uma possibilidade é que a China surgirá como nova potência mundial, virando a mesa sobre o dólar americano e a terra de Tio Sam.
Alheio a conspirações e com vivência de uma década no país asiático, Sérgio Quadros, ex-gerente do Banco do Brasil em Shanghai, defende um novo protagonismo do Rio Grande do Sul no relacionamento com os chineses e a adoção do Yuan, moeda oficial, para fechar negócios e parcerias. Segundo Quadros, perde-se muito em transações internacionais com dólar e nem todas as empresas chinesas têm essa capacidade financeira. “Vejo como fundamental a adoção de moeda única entre Brasil e China. O Rio Grande do Sul, por sua vez, poderia pressionar o Governo Federal e articular com o Banco Central para fazer este acordo, estabelecendo também uma linha de crédito. Mais de 20 países já têm essa parceria comercial com a China”, diz.
O ex-gerente do BB acredita ainda que haja uma tendência de expansão da classe média chinesa nos dias atuais. Em um cenário recuperado da pandemia, aquele país aumentaria sua demanda por produtos importados. “A partir do momento em que você facilita as operações, abre mercado para novos negócios e produtos e gera liquidez para o mercado. Aliado a isso, temos o interesse dos chineses por produtos novos, a curiosidade pelo novo. O estado tem muito a oferecer”, comenta.
Além da China, ainda no continente asiático, outro forte aliado comercial do RS em potencial é o Japão, conforme Edmilson Milan, vice-presidente de comércio internacional da ADVB/RS. Milan entende que há muito a ser explorado no Oriente, mas, primeiro, é necessário um processo de adaptação cultural. “No Japão, o primeiro requisito para fazer negócios é investir em relacionamento. É esperado que as pessoas se conheçam. Se não houver isso, não há negócio. Os empresários formam grandes blocos, se ajudam e dominam segmentos. É difícil entrar nesses grupos, mas depois que se entra a tendência é de crescimento e de negócios sustentáveis”, explica. Milan acredita ainda que as empresas gaúchas devam investir e olhar para o Japão como uma grande oportunidade para o futuro. Porém, esta mudança passaria necessariamente por um programa estadual que beneficie o setor. “O Estado poderia criar um novo programa específico para exportações gaúchas ao continente asiático. Tenho certeza de que muita gente ajudaria”, acrescenta.
“No Japão, o primeiro requisito para fazer negócios é investir em relacionamento. É esperado que as pessoas se conheçam. Senão houve isso, não há negócio”, afirma Edmilson Milan
Luis Felipe Maldaner, professor da Unisinos, concorda e avalia que o Governo Estadual deveria atuar como um propulsor para fomentar negócios com a Ásia. Segundo ele, as tecnologias gaúchas para o agronegócio teriam grande potencial na Coréia do Sul e outros países daquele continente. “A indústria 4.0 na agricultura gaúcha é um grande investimento a ser feito. Existe muita inovação acontecendo no setor agrícola e isso poderia ser conectado a uma política pública de estado para desenvolver startups do agronegócio. O estado agiria como propulsor, com ações catalisadas num programa de governo”, sugere Maldaner.
Roberto dos Reis Alvarez, diretor executivo da Federação Global de Conselhos e Competitividade (GFCC, sigla em inglês), concorda que o Rio Grande do Sul deva investir em tecnologia para o agronegócio como foco nas exportações, mas faz ressalvas quanto à tendência de mercado. “Em 2035 estima-se que cerca de 35% da proteína animal virá de fonte não-animal, ou seja, o cultivo será em laboratório. Carne com origem de plantas, cultivada em reatores. Existe um forte apelo para isso: sustentabilidade, menor consumo de água, mais alimentos e mudança nos hábitos de consumo. É um grande desafio para o nosso Estado”, comenta avalia. Alvarez lembra que a sensação é que o RS lida com a ciência e a gestão de uma maneira mais moderna que o Brasil. “Mas temos fragilidades sociais conhecidas e “gaps” estruturais relativos à economia, onde nossa inserção internacional é muito pequena. Não é possível construir empresas globais se não temos conexões culturais e tecnológicas. Esse é um tema urgente”, destaca Alvarez.
A retomada da economia gaúcha também poderia passar pela tentativa de fortalecer o Mercosul, que nos últimos anos foi enfraquecido por rusgas políticas e uma mudança nos interesses brasileiros. O governo Jair Bolsonaro sempre deixou claro que o país dará prioridade para acordos bilaterais com países desenvolvidos ao invés de trabalhar pela integração regional sul-americana. “O Mercosul apresentou sinais de esgotamento na última década, especialmente nos últimos anos. Mas não pode ser jogado fora. Ainda é um importante espaço de articulação regional. Protege as economias, principalmente empresas brasileiras, e fortalece as lideranças políticas. É vital para nossa sobrevivência estrutural”, analisa o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), André Luis Reis da Silva. Para ele, a retomada da economia pós crise, apresenta uma tendência de regionalização. “As cadeias de valor devem mudar. Acredito que teremos uma busca por negócios na região, e isso valorizaria mais os vizinhos do que buscar fora do continente”, diz o professor da UFRGS.
Fonte: Correio do povo